segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Cuidados

Só não me obriguem mais a conviver com essa gente sem cuidados, com essa gente dura e fria que acorda todos os dias às sete e toma seu café da manhã na Lancheria Pão Feliz, com essa gente que se aproxima do caixa com a indiferença de quem irá tirar da carteira uma nota de vinte e dará as costas mal o troco lhes toque a mão direita.

Uma senhorinha bem-vestida entra em um bazar e pede um carretel de linha azul sem se importar com as infinitas variações que essa palavra ‘azul’ comporta: turquesa, celeste, cobalto, marinho, caribe ou inverno. Mediante os olhares aturdidos das pobres vendedoras, a senhorinha não apresenta nenhum embaraço em lhes explicar o que o tom do azul tanto faz, contanto que o azul seja azul de fato. Mete um carretel qualquer na bolsa, deixa uma moeda sobre o balcão e desaparece, por entre bonecas e jogos de pratos, pela mesma portinha estreita que lhe deu as boas-vindas minutos atrás.

Dois homens de chapéu conversam em uma esquina qualquer quando passa por eles um bolso furado e perde uma bola de gude. “Como vai a esposa?”, “Encomendei um novo paletó: coisa fina”, “E aquele jantar? Precisamos nos ver mais vezes!”. Não observam a bola de gude que rola alegre pela Rua Presidente Vargas, é chutada por um terceiro homem de chapéu (serão quantos nessa cidade?), mergulha em uma boca-de-lobo, flutua por nefastas tubulações, causa admiração em um ratinho, dá um drible na estação de tratamento e percorre três mil e quatrocentos quilômetros para finalmente abraçar o Oceano Atlântico. Essa gente eu não quero mais.